Uma mutação, ou variante patogênica (terminologia científica mais usada atualmente), significa uma mudança permanente no gene, desde o nascimento de uma pessoa, que causa uma alteração na proteína que o gene produz. Os genes analisados num painel hereditário para câncer de mama, são genes supressores tumorais (genes que na sua essência ajudam o corpo a evitar que desenvolva um câncer). Portanto, quando uma pessoa nasce com uma falha num gene supressor tumoral (ou seja, uma variante patogênica num gene que ajuda a impedir o desenvolvimento de um tumor), essa pessoa tem uma chance maior de desenvolver câncer do que a população geral. Quanto mais você compreender sobre esse assunto, melhor será sua capacidade de tomar decisões para você e sua família.
O que são os genes e o que são variantes patogênicas?
Vamos fazer uma comparação com livros para facilitar o entendimento de um teste genético. Assim como os textos em um livro, os genes são formados por quatro letras de DNA: A, T, G e C. Essas quatro letras criam o “código” genético (ou instruções) que enviam mensagens para nossos corpos através da criação de proteínas. Esses códigos são os que determinam nossas características únicas (como a cor e formato do cabelo, por exemplo) e coordenam nosso funcionamento corporal saudável.
Para um funcionamento saudável, as letras de um gene precisam estar em uma ordem sequencial específica, pois nosso sistema genético funciona como um sistema de tradução. Assim como com as palavras num texto, nós esperamos que as letras estejam numa ordem correta para que seja traduzido o significado certo. Se uma letra for adicionada, deslocada ou excluída, o significado pode não fazer sentido e a mensagem da palavra, ou melhor, o código do gene, pode não ser compreendido pelo corpo, chamamos essa mudança de variante genética, e quando uma alteração pode afetar nossa saúde, é chamada de variante patogênica (ou mutação patogênica). Pode ocorrer também uma troca de letra de forma que a palavra (ou o código genético) siga fazendo sentido, como por exemplo, as variantes benignas (que podem até serem benéficas!).
Dessa forma, compreendemos que algumas alterações genéticas são inofensivas. Essas mudanças (ou alterações) podem ser as causas de pessoas com cores de olhos ou cabelos diferentes, sem que altere nosso funcionamento saudável. No entanto, se a alteração genética for uma variante patogênica, isso pode ser a causa de alterações no funcionamento saudável do nosso corpo e ocasionar um risco aumentado de desenvolver câncer. Quando as pessoas têm uma mutação em um gene cuja função é proteger o corpo do câncer (os chamados genes supressores tumorais), o gene pode não funcionar mais como deveria. Isso pode fazer com que alguém tenha uma chance maior de desenvolver câncer, geralmente em idades mais jovens do que o esperado. Esses cânceres geralmente fazem parte do que é chamado de síndromes de câncer hereditário. Na medicina, é um capítulo a parte que se dedica ao tratamento, prevenção e compreensão das síndromes de câncer hereditário. Em famílias com síndromes de câncer hereditário, que podem ser as sua, muitos parentes podem carregar a mesma variante patogênica genética e desenvolver cânceres em idades semelhantes. A chance de um indivíduo passar para seus filhos uma variante patogênica é em torno de 50% para cada um de seus filhos.
Como posso entender melhor os genes no corpo humano?
Nós seres humanos temos 22 pares de cromossomos + 1 par de cromossomo sexual. Seguindo nosso aprendizado anterior comparando com livros, podemos dizer que cromossomos são como livros em uma enciclopédia. Cada livro contém uma informação/ capítulo importante e todos os livros juntos formam a enciclopédia. E cada par de cromossomo herdamos dos nosso pais (ou seja, o cromossomo 13, por exemplo, herdamos um par da nossa mãe e um par do nosso pai). Os genes estão dentro do cromossomo. Nosso genoma tem cerca de 20-25 mil genes codificadores que geram aproximadamente 400 mil proteínas. Os genes são formados pelas sequências de letras explicadas acima e eles codificam tudo nosso corpo, tecidos, sangue, órgãos e funcionamento de tudo.
Como encontramos as mutações / variantes patogênicas genéticas?
No passado, os laboratórios de testes genéticos eram capazes de encontrar variantes patogênicas nas famílias estudando os genes mais prováveis, um de cada vez, por meio de testes genéticos. Isso geralmente resultava em um processo caro e demorado, se tornando inacessível para a maioria das pessoas. O teste de painel de vários genes está agora disponível, no qual muitos genes associados a síndromes de câncer hereditário são testados de uma só vez, se tornando mais rápido e econômico. Alguns laboratórios liberam o resultado em 15 dias após a coleta.
O teste de painel multigênico permite que os profissionais de saúde tratem e manejem melhor a saúde de seus pacientes, ajudando-os a entender a causa genética que pode estar causando os cânceres em uma família. O corpo humano é um sistema complexo e ainda há muito para entender. Conforme os pesquisadores e médicos continuam a aprender mais sobre a genética do corpo humano, também aprenderemos mais sobre como criar melhores tratamentos para síndromes de câncer hereditário.
O teste genético é um tipo de exame médico (geralmente um exame de sangue ou saliva) que identifica alterações nos cromossomos e/ou genes. Os resultados de um teste genético podem confirmar ou descartar uma condição genética suspeita ou ajudar a determinar a chance de uma pessoa desenvolver ou transmitir um distúrbio genético.
Quais os principais tipos de testes genéticos?
Se você tem um diagnóstico de câncer, pode ter realizado o teste somático ou tumoral. Este teste genético é feito com uma amostra de tumor. O DNA no tumor é estudado para determinar se diferentes tratamentos podem ser melhores ou piores para você. Seu médico ou equipe de câncer será o melhor recurso para discutir esse tipo de teste genético e se tem benefício no seu caso (não é usado em todos os casos).
O segundo tipo de teste genético é chamado de teste genético germinativo e é feito usando uma amostra de sangue ou saliva. O DNA nas células do sangue é estudado para ver se há uma mutação que aumenta o risco de desenvolver câncer. Este teste genético pode ser feito em alguém que tem câncer ou que não tem câncer.
Todo câncer é hereditário?
O câncer de mama hereditário representa 5-10% dos casos de câncer de mama e está associado com uma variante patogênica (na linhagem germinativa) em um gene associado ao câncer de mama hereditário. Esse genes são os supressores tumorais e desempenham um papel na proteção do corpo contra o câncer. Portanto, a maioria das mulheres com câncer de mama não possuem alteração genética associada ao câncer, chamamos esses casos de: câncer de mama esporádico. A causa de um câncer de mama esporádico é associada como sendo multifatorial. Isso significa que são devidos a uma combinação de diversos fatores, como estilo de vida e fatores ambientais (como radiação, produtos químicos, alterações hormonais, alimentação e outros).
Ter uma variante patogênica significa que vou ter câncer?
As pessoas que têm essas variantes genéticas nascem com elas e correm maior risco de desenvolver câncer do que a população em geral. O nível de risco e o tipo de câncer dependem do gene alterado. O risco de uma mulher da população geral desenvolver câncer de mama ao longo da vida é em torno de 12%. Já uma mulher com variante patogênica no gene BRCA, esse risco pode chegar de 60 a 80%. Nós não sabemos quais as pacientes com alteração genética irão ou não desenvolver câncer, nem quando isso acontece. A idade do acometimento em outros familiares nos ajuda a compreender melhor a história de câncer na família.
Quais são os principais genes supressores tumorais num painel genético para estudar síndrome hereditária do câncer de mama?
Atualmente esses painéis contemplam os seguintes genes: ATM, BRCA1/2, BARD1, CDH1, CHEK2, PALB2, PTEN, STK11, TP53, RAD51C, RAD51D e NF1. Esses são os genes, com o conhecimento atual, associados a um risco mais elevado de desenvolver câncer de mama. Cada gene é associado com um risco diferente de desenvolvimento de câncer, incluindo outros sítios além de mama. A maioria das pessoas com câncer de mama hereditário tem alteração nos gene BRCA1 e BRCA2. Em geral, o segundo gene mais alterado é o CHEK2. No entanto, na região Sul e Sudeste do Brasil, o segundo gene mais alterado é o TP53, com uma variante específica (chamada mutação fundadora R337h).
O que fazer se meu teste genético germinativo veio alterado?
Será realizado um ajuste nas suas recomendações de rastreamento de câncer, será discutido possíveis opções de redução de risco, como cirurgia preventiva ou até uso de medicações redutoras de risco em casos selecionados. Poderá ser discutido uma abordagem cirúrgica diferente e até uso de medicações que aumentam a chance do câncer não voltar, em alguns casos.
Esse resultado também terá impacto para os seus familiares. Se você testar positivo para uma variante patogênica genética, pode haver uma chance aleatória de até 50% de que seus familiares próximos (pais, irmãos, irmãs e filhos) também tenham a mesma variante. Compartilhar seus resultados de testes genéticos com membros da família pode mudar suas vidas e evitar que eles tenham o diagnóstico de câncer ou se tiver, que seja diagnosticado tão precoce a ponto de aumentar chances de curabilidade.
Resumo final
Em resumo, seus genes são um manual de instruções único que faz de você quem você é. Eles são como palavras que para serem lidas precisam estar numa sequência correta. No entanto, às vezes essas palavras podem ter uma alteração numa letra (variante patogênica) que determina um risco aumentado para o desenvolvimento de câncer. O poder da informação de um teste genético é que ele pode detectar doenças hereditárias, para que, junto com um profissional de saúde, você possa tomar melhores decisões de saúde. A descoberta de uma variante patogênica tem impacto em você e nos seus familiares. No caso de pessoas que não desenvolveram câncer o objetivo será um manejo de redução de risco ou pelo menos detecção precoce, que aumentam chances de curabilidade. No caso de pessoas que já tem o diagnóstico de câncer, saber desse resultado implica em possíveis mudanças no tratamento cirúrgico e medicamentoso, assim como um manejo diferenciado no futuro para redução de risco de um segundo diagnóstico de câncer no mesmo local ou em algum outro órgão.